cinquenta por cento

O mundo está ao contrário e todo mundo já reparou, né? Tem alguém no modo felicidade plena? Aqui a vida nunca esteve tão real. Uma pessoa controladora, tipo eu, que decidiu ser feliz, tipo eu, que está sempre no modo auto reflexão, tipo eu, não consegue se manter com todos os buracos tapados. A gente tampa ali e aparece aqui. Aí tampa aqui e aparece lá. Já aceitei que o 100% é uma ilusão. Mas uns 80% seria ótimo, não acham?
.
Tenho um amigo que tem uma teoria filosófica-cotidiana ótima: tudo na vida é 50%. Pode ser e pode não ser? 50%. Podemos estar certos ou errados? 50%. Fulaninho é bom ou mal? 50%. Resumindo: tudo na vida tem um segundo lado. Ou, desconhecemos as razões do invisível. Ou, o controle é uma ilusão que alimentamos para atender ao próprio ego.
.
E esse é o meu ponto, minha ferida, minha pulga atrás da orelha. O danado do controle. Se eu pudesse, controlava até pensamento. Não só os meus, mas os dos outros também. Sim, é grave. Também colocaria Deus na parede e exigiria que me dissesse o dia em que volto para a outra dimensão. Sente o nível! Davi não misturaria a comida toda no prato porque gente, não é muito mais bonito comer tudo separadinho? Não, é mais bonito comer do jeito que cada um acha melhor, Camilla.
.
O bom de tudo é que o Universo deu asa à cobra mas colocou as nuvens certas no caminho. Cada um que passa por mim e me manda “senta lá, Claudia” eu agradeço imensamente. Quer dizer, primeiro eu sofro, choro, me faço de vítima. Mas uma hora a lucidez chega, a sensatez assume o controle, e eu me responsabilizo pelo que me cabe. E é de verdade.
.
Sabe, eu colho os benefícios de ser controladora! (não é 100% ruim, só os 50% mesmo). Por outro lado, não quero que o controle seja um fardo para mim e para quem está do meu lado. Mais que isso, desejo muito me entregar ao plano invisível de vida, neutralizar os pensamentos, diminuir a força do raio julgador, deixar as coisas acontecerem como tiver que ser, desapegar. Talvez esse seja o grande calo, o tal do apego. Irmão gêmeo do controle, parente próximo da preocupação, inimigo da leveza. Vem cá, apego querido, me abraça, a gente tá junto mas vamos levantar a bandeira branca, ok? Você vai estar sempre aqui, eu sei. Mas descansa um pouco, tira uma soneca. O resto vem.
.
PS: eu queria escrever aconselhamentos tipo auto ajuda, sabe? JURO. Não consigo. A escrita pra mim é em primeira pessoa, cotidiana, vida real, a minha individualidade, os meus dilemas. É a materialização dos meus pensamentos e desejos. Uma forma pública de fazer o universo me escutar e dar uma força.

internet amor e ódio

Essa semana desativei as últimas notificações do meu celular. As do whatsapp. Estava incomodada, confesso, com a ausência de horário comercial para mensagens. Não desapego do velho costume de não se comunicar com ninguém entre as nove da noite e as nove da manhã. E aí melhor desativar os apitos do que lamuriar por eles. Pronto, libertei-me!

Não sou adepta do imediatismo cibernético. Respondo mensagens com a antecedência possível dentro da minha dinâmica de vida. Participo de bem poucos grupos de whatsapp e a regra é ser uma troca produtiva. Se gerar mais pensamentos negativos do que positivos é a hora de pedir licença e sair de mansinho. Não recebo memes quase nunca. Tipo sou a última a saber das tretas virtuais. Não recebo áudios de procedência duvidosa, vídeos de sacanagem, nem fotos de corpos estirados no chão. Tô bem assim, obrigada.

Diminuir o uso de redes sociais tá no meu caderninho de metas desde 2015. Aí primeiro eu tirei o app do facebook do celular. Depois eu fiz um desmame da timeline no computador e fiquei o mês inteiro da Copa no Brasil sem acompanhar as postagens. Continuei reduzindo de pouco em pouco. Até que um belo dia parei de vez. Hoje ainda mantenho minha conta por questões profissionais. Mas anteontem quase deletei de vez. Quase mesmo. Não tô afim de deixar meus dados de bobeira para a Cambridge Analytics usar como quiser. Isso é sério, bem sério.

Na real, vivo uma relação de amor e ódio com a internet. Quer dizer, eu amo, tenho convicção que faz mais bem do que mal. Quando a gente sabe usar. O problema é que odeio quando perco o controle. E eu só não perco total porque me vigio. Me cobro. Sabe aquela mãe que pega no pé? Sou eu comigo mesma.

A prova de que valeu a pena é que ganhei muito tempo produtivo pra mim mesma. Leio bem mais do que na era facebook. Aliás, eu não lia nada. Hoje leio prosas, auto ajuda, biografias. Cara, tô no quarto livro da séria mais amada dos últimos tempos em três meses. Fiz cursos de aprofundamento pessoal na internet. Vou ao cinema, encontro amigas, vejo séries inteiras no netflix pelo menos um vez no mês. Eu não fazia isso antes. Não é coincidência. É auto cuidado, é cuidar do tempo, de quem serei no futuro.

Essa é a internet que eu quero. É possível. Agora tenho certeza.

Marielle, presente

Outubro de 2016. O cenário na política era péssimo e as eleições municipais estavam se aproximando. Se o voto é a arma da democracia, não dava para desperdiçar o meu. Escolhi Taliria Petrone, mulher, negra, periférica. A minha luta é por igualdade. Tê-la como representante na Câmara Municipal era colocar em pauta toda uma causa social.

Não demorou muito comecei a ouvir falar de Marielle. Mulher, negra, favelada, gay. Seria muita ousadia sonhar com essas duas sacudindo a poeira do poder público? As urnas disseram que não. Talíria foi a mais votada em Niterói, Marielle a quinta no Rio. Cara, há uma luz no fim do túnel, nem tudo está perdido, vamos resistir, a luta continua, vai dar certo.

Março de 2018. Tô deitada lendo com Davi. Leandro chega correndo no quarto. Deu no rádio que uma vereadora do psol foi baleada no Estácio. Pega o celular correndo, globo.com, vereadora Marielle Franco é assassinada. ASSASSINADA. Mãe, o que aconteceu com ela? Tá tudo bem, filho, vamos rezar. Caralho. Não é possível. Não não não. Filho, tá tudo bem, tentaram fazer um mal a ela mas deu tudo certo. Não deu tudo certo. Não tá certo. Não tem como dar certo.

Hoje meu otimismo foi pro ralo. Hoje não consigo ver saída. Hoje não deu pra trabalhar. Não deu pra dizer pro filho que tudo vai ficar bem. Hoje tudo parece que foi em vão.

Mas amanhã eu vou levantar certa de que não foi em vão. Amanhã, numa conversa bem franca, eu vou falar pro Davi que nenhuma mulher merece morrer por ser mulher. Eu vou conversar com o Davi que o povo negro merece voz, merece compaixão, merece amor. Davi tem que aprender que vivemos numa bolha de privilégios e que não faz mal dividi-los com quem nasce condenado ao subsolo. Davi, meu filho, todo mundo tem responsabilidade aqui no Planeta Terra. Aprende isso pra sempre.

Minha vida é política. Eu tô aqui pra mudar o mundo. Começando no lado de dentro. Dentro da minha casa. Não nos calarão. Marielle, presente.

sobre voltar mais uma vez

Tô pensando há dias num tema bacana para voltar a escrever nesse meu caderninho virtual. Rascunhei mentalmente um milhão de vezes, fiz parágrafos inteiros enquanto tomava banho. Aí a rotina da casa me engolia, o Davi me consumia, o trabalho sucumbia, e eu nada de colocar no papel as minhas ideias. Não veio um tema impactante para um recomeço mas cansei de me sabotar. Minha alma suplica, minhas mãos pedem, minha cabeça implora. Escrever é das coisas que sei fazer melhor na vida. Escrevo e me entendo. Então vambora, né?

Na falta de um assunto contextualizado para um retorno, vamos falar de Davi. Não sou especialista em maternidade (alguém é?) mas gosto de dividir nossos lemas e dilemas. Verdade seja dita, tem bem mais dilema do que lema. Cada dia mais sei que nada sei. Há anos que a minha maternagem é intuitiva. Tenho um norte mas vivo tonteando entre o sul, o leste e o oeste. De toda forma, parece que tá funcionando. Por enquanto.

Davi é a bagunça da minha vida, minha alegria, minha tristeza, meu ar, meu sofá. O caos que disciplina, o desequilíbrio que equilibra. Tá numa fase bacana, de questionamentos sensatos, de conversas horizontais, de se fazer respeitar de forma assertiva. Tem recaídas e é isso que espero dele. Agora mesmo foi pra escola chorando lágrimas de sangue porque exigiu uma pasta de dente de adulto. E tinha que ser naquele exato momento. Paciência, filho, nem tudo dá pra ser aqui e agora. No geral, os conflitos tem se resolvido de forma mais leve pra todo mundo.

Entra ano e sai ano e eu continuo nas minhas incertezas. Qual a melhor rotina? Coloco no curso de inglês? Alguma atividade extra além da escola? Como ajudá-lo a não perder o controle? Algum dia vou ter certeza? Talvez não. Que a minha alma controladora veja na incerteza o lado bom do viver.

a poesia de todo dia

Ninguém deu a ideia, ninguém pediu para posarem. Estávamos conversando, olhamos pro lado e estavam assim. Linha reta, pernas abertas, braços pro alto. Inconscientemente reverenciando a imensidão do mar azul. Corri para pegar o celular torcendo para dar tempo de registrar. Voltei e as mãos não estavam mais pro alto. Tudo bem. Preferi não interferir em nada. Preferi deixar eles no tempo deles, do jeito deles, imaginação intacta, genuinamente pura. Fotografei sem que percebessem e me retirei. Para que continuassem fazendo da vida uma poesia.

a escola que eu sonhei

Duas coisas que sempre soube. Um, Davi entraria na escola só depois dos 3 anos. Dois, a escola teria um método alternativo de educação. Minhas memórias de colégio tradicional não são as melhores do mundo.

Nem morava na minha cidade atual mas já conhecia a escola de ouvir falar. Não é famosa, não faz propaganda. É um colégio de bairro. Montessoriano de verdade. De verdade verdadeira. Não é influencia. É raiz. Ouvi falar pela primeira vez num dos meus primeiros estágios, com 20 e poucos anos. Os filhos de duas colegas de trabalho estudavam lá e eu ficava maravilhada com as histórias. Nunca esqueci dessas conversas. Na hora de escolher pra valer, não visitamos nenhuma outra. Fui lá, me apaixonei, matriculei, me emocionei com a forma que o receberam no primeiro dia de aula. Era ali.

Ontem participamos da nossa primeira Jornada da Observação. Vinte minutos para os pais ficarem dentro da sala de aula observando – somente e prioritariamente observando (como diria meu pai, observar é com os olhos) – as crianças trabalhando. Sim, lá conhecimento é levado muito a sério. É mais que brincadeira. É trabalho. Um trabalho adequado para cada criança. Individualidade é sagrado. Tivemos certeza.

Num tom de voz bem baixo, bem mesmo, a professora mantém os alunos conectados com a proposta. Eles não se distraem com a chegada dos pais. Davi quando nos viu, abriu um sorrisão, deu tchau mas não levantou do lugar, não se dirigiu a nós. As outras crianças continuaram como se nada estivesse acontecendo de diferente. Eles de fato se entregam a essência da proposta.

Cada um levantou e escolheu o material que queria trabalhar. Vale ressaltar que no método o querer tem a ver com poder. Cognitiva e emocionalmente, cada criança está apta a trabalhar com um tipo de material. Eles confiam nisso. Confiam nas crianças. Isso é autonomia. O processo é muito orgânico.

Tinha aluno em materiais mais complexos da estante de matemática, tinha aluno passando água de pote de vidro para garrafa de vidro com funil, tinha aluno escrevendo o nome no papel, tinha aluno desenhando objetos observados, tinha aluno espanando a sala. Isso mesmo, tinha aluno limpando a sala. Tinha aluno limpando a mesa em que a acabara de lanchar. Não tinha nenhum lixo no chão. Nenhum.

Alunos se responsabilizando pela limpeza e conforto de todos. Com 3, 4 e 5 anos. Crianças adquirindo conhecimento de forma prática. Estudo vivo. Que levarão para o resto da vida. Nada de decoreba, de professora no centro de todos ensinando qualquer coisa sobre animais e minerais. Não. Alunos aprendendo sozinhos, através de materiais disponíveis e adequados para o tempo de cada um deles. Um micro mundo civilizado onde todos entendem seus direitos e deveres.

Maria Montessori (aos poucos divido mais do pouco que sei sobre essa imensa mulher) dizia que para agir sobre a sociedade, devemos voltar nossa atenção para a infância. Concordo infinitamente. Reconheço meu lugar de privilégio por meu filho vivenciar essa metodologia. Em troca, prometo me esforçar continuamente para devolver ao mundo um cidadão com consciência do seu papel fundamental na construção de uma sociedade melhor.

Davi estuda na escola que eu e o Leandro queríamos ter estudado. E tudo indica que uma escola bem adequada às demandas dele. Obrigada, Universo!

OBS 1: longe de mim jogar a escola tradicional na fogueira. Tenho certeza que existem várias excelentes por aí. Tenho mais certeza ainda que existem crianças e famílias para todos os métodos. Demos sorte que o Davi rendeu muito bem no método que a princípio escolhemos para ele. Mas a partir do momento que ele não render mais, a regra é mudar.

OBS 2: A escola do Davi não é perfeita. Tenho algumas críticas, inclusive. Todas no macro. No micro, no individual, na necessidade de cada criança, eles sempre nos surpreenderam positivamente. Daí todo o resto se torna menor.

Passado, presente, particípio

Eu queria ter visto Raul, Legião e Cassia. Não deu. Eu queria ver Novos Baianos. Durante anos achei que não ia dar. Mas deu. Eles se reuniram mais uma vez. Talvez a última chance de ver a formação original. Foi ontem, foi bem mais incrível do que dava pra imaginar.

Os baianos embalaram muitos dos meus momentos inesquecíveis. Quando estava quase no topo do Pico das Agulhas Negras e não dava mais pra continuar fiquei uma hora sozinha numa pedra esperando a galera voltar. Minha companhia? Dê um rolê no repeat. Quando Davi tinha quase dois e uma das primeiras músicas nossas que aprendeu foi preta, preta, pretinha. Nas festinhas memoráveis da faculdade não faltava levarei saudades de Aurora. Nos dias de folia minha carne é de carnaval é legenda obrigatória. A menina dança e eu danço junto como se não houvesse amanhã.

Eles conseguem ser mais atração principal do que as músicas. Baby maravilhosa quero ser ela quando cresce, mesmo com a coluna arrebentada segundo ela, rebolava e cantava numa malemolência super jovem. Moraes meu mal humorado favorito, inconformado com o som do violão que insistia em não sair perfeito, reclamou o show inteiro e saiu do palco antes do grand finale. Obrigada, Moraes, por ser tão você!. Pepeu raio estrela e luar, conquistava a galera com seus solos sensacionais de guitarra. Paulinho, com sua boca de cantor da porra, que voz sinistra e que melhores músicas. Luiz Galvão, o velhinho mais fofo do mundo, sentadinho numa cadeira, lá ficou quase o show inteiro e só levantada para recitar poemas. Melhor pessoa. Pra completar, um cenário cheio de luz e cor e uma plateia totalmente envolvida com o momento. Foi foda!

Não se assuste pessoa, se eu lhe disser que a vida é boa. Vou mostrando como sou e vou sendo como posso. Porque não viver nesse mundo se não há outro mundo? E a razão da vida é amar!

o melhor lugar do mundo é aqui e agora

Era um grupo de estudo. Toda semana nos encontramos e estudamos formas de construir o paraíso interior. Tem temas pré definidos, tem apostila, tem contextualização de paradigmas mundiais, é sensacional. Tem um monte de dicas para ser um mundo melhor. Número 1, gratidão em qualquer circunstância. Número 2, pensamento no positivo sempre. Número 3, a era do luz tá bem próxima. Mas toda vez que a palavra corrupção ou sociedade ou economia ou política aparece no projetor a gente chora as mágoas até não poder mais.

Porque brasileiro é corrupto, porque no Brasil só dá para comprar parcelado, porque quando tinha aulas de moral e cívica a gente aprendia a ser cidadão, porque na Noruega as crianças tem aula de costura, de culinária, de um monte de coisa que faz a gente ser gente, porque a Dinamarca é a melhor qualidade de vida do mundo. Porque a gente insiste em acreditar que a solução está do lado de fora?

Não é patriotismo não. Isso aqui não é um desagravo ao Brasil. É só uma defesa do aqui e agora. Enquanto reclamamos, esquecemos de acompanhar o mandato do deputado em que votamos. Você ainda lembra o nome dele? Enquanto não fazemos um planejamento financeiro e compramos mais do que o orçamento permite não sobra nada no fim do mês para a poupança. Enquanto apontamos o dedo para os filhos dos outros, esquecemos de ensinar aos nossos como se faz para conviver no coletivo. Enquanto invejamos aulas de culinária no país vizinho, não cozinhamos com as crianças porque suja a cozinha toda.

O capitalismo é focado na escassez mas dentro das nossas casas podemos focar na abundância. Podemos construir um mundo novo num exercício diário de questionamento e observação. Não estou falando que é fácil. Não! É difícil pacas. Mas tem que ter um ponto de partida. Que pode ser agora. Se a gente finalmente aceitar que estamos exatamente onde devemos estar. Obrigada, universo!